sábado, 4 de setembro de 2010

CANOA NA LAGOA


CANOA NA LAGOA

O Criador pintou um quadro cheio de amores.
Pincelou nele suas emoções mais densas
Tons vigorosos de roxo, com amarelo nas flores,
Energias contrastantes, assustadoras intensas.

Na relva e nas ávores, a convidar para um passeio ecológico
um verde energizante, brilhante,
Na lagoa serena de aspecto bucólico
a profundidade de um azul enigmático, calmante, refrescante.

Sobre as águas da lagoa,
tons serenos de azul e laranja denunciam um lindo alvorecer.
E sentada, lendo um livro na canoa,
uma bela jovem, sua preciosa, faz uma oração, parece interceder.

Uma esperança inexplicavelmente encontrada
renovada por aquele enigmático amanhecer
se movimenta, pelo sopro divino alimentada,
sopro que cria, que faz a vida acontecer.

Sorri para seu quadro um Criador enamorado.
Sopra com Seu fôlego, cada pincelada na tela.
O quadro vivo agradecido sorri, entusiasmado.
"Voilá! Eis minha obra de arte, maravilhosa e bela!"

Por quatro décadas o Criador trabalhara com afeto.
Dia após dia acrescentava algum detalhe omisso.
Sabia que ainda faltava algo ao projeto
mas seu perfeccionismo, não permitia encerrar o compromisso.

Decidiu expô-lo, mesmo inacabado, e assim o assinou.
Por certo os visitantes lhe apreciariam a paisagem.
Colocou-lhe uma moldura caprichosa pela qual se esmerou
e o pendurou no centro da galeria. Que o visse os de passagem!

Antes de abrir a exposição o Criador teve uma última ideia:
aquele que discernir o sopro e a energia vital que neste quadro coloquei,
e se o amor que flui de suas cores lhe cativar, como a uma plateia,
concederei que me sugira o que falta, e com as últimas pinceladas o concluirei.

Assim o dono fará parte do quadro e o quadro fará parte do dono.
Pela minha vontade, e durante a minha eternidade, eu os unirei.
O dono amará o quadro e o quadro amará o dono.
Alegre e eternamente, com minha graça os presentearei.

Empolgado com a ideia o Criador abriu a galeria.
Crianças, homens e mulheres se aproximavam.
Os mal-educados e grosseiros lhe causavam avaria,
mas os verdadeiros apreciadores Da Arte admiravam.

Os críticos sentenciavam: "mistura chocante de cores; péssimo gosto",
Outros se inspiravam na paisagem, querendo conhecer seu autor,
Curiosos entravam e saíam da galeria, agosto após agosto,
anos sem discernir o imensurável amor do pintor.

Um dia surgiu na galeria um jovem melancólico, que amava o Criador.
Inteligente, amante das artes, sensível, de um jeito muito próprio.
Como os demais, ele tinha impressões sobre o quadro e seu autor.
O achava belo, mas jamais o teria como seu. Era, digamos... impróprio.

Mas uma inexplicável vontade de estar perto do quadro, tomou conta do jovem
que agora frequentava a galeria com assiduidade.
Por horas a fio juntava-se ao quadro, criando para o cotidiano uma ordem,
que integrou a sua rotina como uma alegre atividade.

Do roxo com o amarelo contrastante recebia calor revigorante.
No azul profundo das águas, era desafiado a meditar, a conhecer o Criador, a o imitar.
Do verde brilhante o relaxamento para a saúde do corpo , estimulante, até dançante.
Quantos mistérios ainda haveria no quadro para os desvendar?

Encantado ficava com o azul alaranjado do inexplicável alvorecer
que traz à vida alegria, transformado as emoções em poesia.
Mas seus olhos repousavam sobre a canoa da lagoa, como a lhe dizer:
a solidão da jovem é igual à sua. Cabisbaixo e concernente ele discretamente sorria.

Naquele instante o quadro começou a fluir amor pelo jovem.



O quadro lhe trazia calor, aconchego, aceitação, apreço
Se reparasse bem, também lhe incentivava a criatividade, transmitindo-lhe saúde e energia.
"Mas como pagá-lo com aquele enorme preço?"
Se afastava. Sentia saudade. Voltava. "Aquilo? Amor? Não! Não podia!"
'
Escondido o Criador observava tudo, empolgadamente agitado.
Olhou para a paleta de tintas, fantasiando, finalmente, a possibilidade.
Após tantos anos, as pinceladas finais! Que momento aguardado!
Com um sorriso maroto especulava pintar o jovem ao lado da sua preciosidade.

Entretanto o jovem se aproximava, e da ternura do amor do quadro usufruía,
mas não aceitando amar algo que não desejava, confuso e triste se afastava
questionando, por que o quadro lhe atraía?
"Sentimento estranho!" - estar seguro e confiante, desejando algo que não amava.

Cabisbaixo e pensativo, o jovem retomava sua estrada.
Desistia do quadro diariamente. "Assim deve ser!" - lhe dizia dona razão.
E andava pelas ruas da cidade, da escola ou do trabalho para a morada,
se perguntando: se a decisão está certa, por que triste é meu coração?

"E agora meu Mestre, o que será?" Perguntou o quadro ao seu autor.
Enamorado por sua obra, suspirando o Criador falou:
"Eu te amo querida, minha preciosa. A você nenhuma dor".
Com um toque mágico do seu pincel, colocou o amor do quadro para dormir.

"O tempo não pertence a ninguém" - murmurou - "só a mim"
E cobriu seu material de pintura por mais um tempo...